domingo, 20 de abril de 2014

As suspeitas sobre Barbosa no episódio de espionagem

Como se sentiria um operador do direito se alguém afirmasse que há suspeitas de que a mais alta autoridade do Judiciário, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) usa mão de gato, pratica chicana, estupra os procedimentos à luz do dia e com as cortinas do palco escancaradas? E que, na condição de presidente do STF, sua imagem pessoal torna-se a imagem do Judiciário.
No episódio da tentativa de espionagem sobre o Palácio do Planalto, Barbosa agiu com mão de gato ou foi fundamentalmente displicente? O simples fato de existir essa dúvida mostra a desmoralização a que o STF está submetido com os atos de seu presidente, ao não se pronunciar sobre a tentativa do Ministério Público do Distrito Federal de espionar o Palácio do Planalto.
O assessor de Barbosa, Wellington Geraldo Silva, telefonou para Jânio para “uma exaltada cobrança telefônica”, sobre as suspeitas de que, por falta de qualquer reação, Barbosa endossara a tentativa de espionar o Planalto. Foi-lhe recomendado escrever para o Painel do Leitor.
Na carta enviada, o assessor alega que Barbosa tomou as providências regimentais quando recebeu o pedido de quebra de sigilo do seu parceiro, o juiz da Vara de Execuções Penais: sem ler, encaminhou o pedido para apreciação do Procurador Geral da República. Só depois do parecer da PGR, o presidente do STF manifestar-se-ia.
No entanto, quem analisar todos os passos da trama, terá muitos elementos para suspeitar que, ao remeter o pedido para o PGR sem nenhuma observação, ou ao não recusar o pedido liminarmente, o próprio Barbosa participou da trama para espionar o Planalto – juntamente com a promotora Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa, o ex-juiz da Vara de Execuções de Brasília Bruno Ribeiro.
Relembrando:
1 – A promotora Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa, da Vara de Execuções de Brasilia, pede a quebra do sigilo telefônico de uma área que engloba o Palácio do Planalto.
2 – No seu último ato no cargo, o juiz Bruno Ribeiro, que assumiu a função na Vara de Execuções após a carga de Barbosa contra seu antecessor, recebe o pedido e envia para Barbosa sem nenhuma consideração a mais. É de conhecimento geral as afinidades criadas entre Barbosa e Ribeiro. Além da pressão contra seu antecessor, Barbosa acionou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em defesa de Ribeiro.
3 – Era de conhecimento de Barbosa que, no mesmo dia em que enviou o processo, Ribeiro declarou-se impedido de continuar atuando na Vara de Execuções.
4 – O presidente do STF recebeu o pedido, não conferiu as coordenadas e enviou para a PGR. Se o PGR também não conferisse as coordenadas, Barbosa teria o álibi para quebrar o sigilo do Planalto.
As suposições acima são perfeitamente críveis, para um cargo em que não se admite sequer a dúvida sobre a conduta do titular. Ainda mais com todo o histórico de protelações de Barbosa sobre o episódio Dirceu.

É evidente que Barbosa sabia que o pedido de escuta referia-se a áreas sensíveis, ao Palácio do Planalto ou a outro poder, caso contrário o próprio juiz da Vara de Execuções poderia ter autorizado a quebra de sigilo.
Mas seguir procedimentos habituais em um caso absolutamente unusual – a quebra do sigilo da própria Presidência da República – é um contrassenso que só se explica pela vontade de postergar ao máximo a decisão sobre Dirceu, ou então, de criar um fato político mesmo.
A alegação do assessor, de que Barbosa só poderia se manifestar após parecer do PGR, em um tema que nada tem de usual, mereceu a resposta adequada de Jânio: aceitar isso seria acreditar que o presidente do STF comporta-se como um estafeta, recebendo processos e encaminhando sem ler para o PGR.
Passados vários dias, até agora a única manifestação de Barbosa foi essa nota do assessor, segundo a qual ele cumpriu o regimento, remetendo o pedido (sem ler) para o PGR.
É possível que o excesso de processos levasse Barbosa a ser descuidado com o pedido. Mas é possível – dada a visibilidade do episódio – que o descuido de Barbosa tivesse sido intencional. É possível que não atinasse para a extensão do pedido. Mas também é possível que agisse em sintonia com o juiz para criar uma crise política.
Agora, coloque-se no lugar de Joaquim Barbosa. Há uma investigação para conferir um telefonema de José Dirceu, que teria sido dada em um dia definido. Barbosa recebe um pedido de autorização de escuta por vários dias, em áreas variadas. Supondo que seja displicente nos seus pedidos, que seja burocrático no encaminhamento dos processos, alguém poderá supor que, ao receber o pedido de quebra de sigilo, não tivesse sequer a curiosidade de conferir as coordenadas definidas pela promotora?
É mais fácil um camelo passando no buraco de uma agulha.
Pergunto: é possível um presidente de STF conviver com tantas dúvidas e suspeitas acerca de sua conduta, em um episódio da mais alta gravidade?
Por Luis Nassif

sábado, 19 de abril de 2014

TIPOS DE PARTO: QUAL O MAIS ADEQUADO PARA VOCÊ E SEU BEBÊ?

A gravidez, para a grande maioria das mulheres, costuma ser uma época repleta de expectativas e incertezas. O bebê é menino ou menina? Como vou conciliar o emprego com a maternidade? Ele vai puxar mais a mãe ou o pai? Mas, além das dúvidas convencionais, a escolha do tipo de parto também costuma tirar o sono de muitas gestantes.
A corretora de imóveis Laissa Trindade, de 20 anos, está no quinto mês de gestação do primeiro filho, mas ainda não decidiu se vai fazer cesárea ou parto normal. Conta que buscava informações sobre partos diariamente na internet, mas começou a se deparar com casos de cordão umbilical enrolado no pescoço, hemorragia vaginal e frequência cardíaca anormal do feto, então decidiu parar a busca. Hoje ouve a opinião de amigas e familiares, mas ainda assim continua em dúvida quanto a que tipo de parto escolher.
“Eu falei desde o começo para o médico que tinha vontade de fazer parto normal. Mas estou com muita dúvida. Uma hora eu quero, na outra não. Na verdade, tenho medo de sentir dor, de alguma coisa dar errada. Eu sei que é possível tomar anestesia no parto normal, mas sei lá, cada um fala uma coisa. Tem aquelas mães que são a favor do [parto] normal, outras falam que cesárea é muito mais prático e seguro. Aí a gente fica perdida.”
O médico, segundo a corretora, não opina muito na escolha. Falou apenas que se não tiver complicações, poderá realizar o parto normal. Laissa não tem nenhum problema sério de saúde e sua gravidez também não é considerada de risco.
“Eu sei que eles [médicos] querem o que é mais prático, lógico. A gente marca e tudo fica bem cômodo para eles. Já me contaram isso. Mas o meu médico falou que se estiver tudo bem até o fim da gravidez, ele faz o parto normal, mas se houver algum problema, tem que ser cesárea mesmo. Vamos ver.”
Brasil é campeão em número de cesáreas
A cesárea se tornou um dos procedimentos mais comuns no país, e quase 50% dos brasileiros vêm ao mundo dessa maneira. Entre os países da América Latina, o Brasil está em primeiro no ranking dos que mais realizam a cirurgia. Nos hospitais privados, o número de gestantes que fazem cesáreas chega a 85%, segundo o Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos). A OMS (Organização Mundial da Saúde), por sua vez, preconiza que somente 15% dos partos sejam cirúrgicos.
O aumento dos números pode ser explicado por alguns motivos, segundo a ginecologista e obstetra Alessandra Bedin, do Hospital Israelita Albert Einstein. Contudo, pode ser resumido em duas palavras: comodidade e segurança.
“Um dos principais recursos disponibilizados pelos médicos na cesárea, que é o tempo, acaba sendo muito menor. Em aproximadamente 45 minutos a cirurgia termina, ao contrário do parto normal, que pode durar mais de 8 horas. Portanto, ela é amplamente indicada porque é rápida. A paciente pode até marcar a hora do parto e assim o hospital se programa em relação à disponibilidade de leitos”, explica a médica.
Além disso, os médicos ficam com receio de acontecer algum problema no parto normal e a paciente ou o bebê morrer. “Com a cesárea o médico se sente mais seguro, pois ele tem mais controle da situação. Se acontece alguma coisa vão lhe perguntar depois: ‘Por que não fez cesárea?’”, sintetiza  Alessandra.
Desde 2001, segundo informações do Sinasc , a cidade de São Paulo vem registrando um aumento gradativo de partos cesarianos, que, a partir de 2005, superaram os partos por via vaginal (normal). Para se ter uma ideia desse aumento, em 2001, 52% dos partos realizados pelo SUS eram normais. Nove anos depois, esse número caiu para 46%. 
Outro mito que favorece a escolha da cesárea entre as gestantes é o medo de sentir dor na hora do parto normal. “É algo cultural. A brasileira tem medo da dor. Entretanto, no parto normal é possível dar anestesia a qualquer momento. Quando chega a um nível intolerável de dor para a gestante, cabe ao anestesista utilizar recursos para amenizar o sofrimento”, esclarece. Além disso, é possível utilizar técnicas de respiração e massagem, com movimentos circulares nas costas da gestante.
Se a cesárea, todavia, pode parecer prático para os médicos e hospitais, para a mulher ela não é tão conveniente assim, já que o procedimento é considerado uma cirurgia de médio porte, com risco de infecções e perda sanguínea.
“Fazemos a abertura da cavidade abdominal, com uma incisão transversal, um pouco acima do púbis, de aproximadamente 12 centímetros. São cortadas sete camadas de tecido, entre pele, tecido muscular e peritônio, até chegar ao útero e retirar o bebê”, explica a obstetra.
Segundo a dra. Bedin, um dos únicos riscos do parto normal – extremamente raro de acontecer – é o de a mulher ficar com a bexiga caída.
“Quando a cabeça do bebê passa pela pelve, pode ocorrer alguma lesão na musculatura. Mas esse risco nem se compara com os da cesárea”, diz a médica.
Mas como saber a hora exata em que o bebê está pronto para vir ao mundo? Em tese, isso não é possível. O que os médicos fazem é uma estimativa. “Em casos de cesárea, nós orientamos que seja marcada quando a mãe entra na semana 39a ou 40a da gestação, pois aí temos certeza de que o bebê está bem formado. Mas ele simplesmente pode ‘escolher’ nascer antes. Não dá para prever”, alerta a dra. Bedin.
Como é uma cirurgia, o tempo de recuperação da cesárea também é maior se comparado ao do parto normal, em que a mulher recebe alta hospitalar em aproximadamente 24 horas. Na cesárea, a paciente fica em observação no hospital de dois a três dias. Ela pode começar a fazer caminhadas leves em 15 dias. Contudo, atividades de maior esforço, como subir escadas ou retomar a atividade sexual requerem um mês de pausa.
O preço do parto normal e da cesárea não são muito diferentes. O primeiro tem valores iniciais de aproximadamente R$2.500,00, enquanto a cesárea custa cerca de R$3,5 mil. Entretanto, os valores são estimados e tudo vai depender do hospital escolhido, do tempo de permanência no local, do tipo de acomodação e da equipe médica.
Questão de escolha
A cesárea também não deve ser encarada sempre como vilã. Em alguns casos, quando há risco iminente de morte para a gestante ou para o bebê – por exemplo, em casos de descolamento de placenta (quando a placenta se separa da parede do útero, impedindo que o bebê continue a se alimentar e receber oxigênio), em que a mãe possua alguma malformação cardíaca que a impeça de fazer esforço no parto normal, de eclâmpsia ou pré-eclâmpsia, entre outros -, ela se torna a única alternativa.
Para a ginecologista e obstetra Paula Tambellini, do Hospital Sírio-Libanês, a escolha entre parto normal e cesárea é muito mais complexa. Na opinião da especialista, os que são contra a cesárea utilizam o argumento de que antigamente todo mundo nascia de forma natural. Mas para a médica essa justificativa é falha, pois muitas mães e crianças morriam ou nasciam com problemas graves. “Mas isso ninguém fala, não é?”
“As gestantes chegam querendo saber o que é melhor. Eu costumo responder que o melhor vai ser aquilo que acontecer para elas, apesar de 70% das gestantes chegarem com a ideia fixa de fazer cesárea. Minha função é orientar, explicar as possibilidades e sanar as dúvidas. Eu não vou interferir no desejo dela. Acho uma hipocrisia essas distinções entre normal e cesárea, porque no consultório, na prática clínica, não dá para prever. Tudo pode mudar”, relata.
“A função do obstetra, na minha opinião, é conduzir a paciente e nosso objetivo é entregar na mão dessa mulher um bebê com condições excelentes de saúde. Não adianta eu prezar um parto normal, como todo mundo tem falado por aí, e entregar uma criança com pouca oxigenação, com algum grau de deficiência ou sequela”, completa.
Em relação ao fato de que muitos médicos, diante da dúvida da paciente, acabam “induzindo” a mulher a optar pela cesárea, Tambellini é enfática. “É claro que existe esse tipo de profissional. Tem médicos que fazem isso, porque é mais prático e rápido. Mas não quer dizer que seja correto. Eu não concordo com essa abordagem. Não é justo com a paciente.”  
Normal e Humanizado
No parto normal, a partir da 39a semana, a gestante poderá sentir contrações intensas e duradouras, que atingem todo o abdômen, como se fossem cólicas fortes. Quando essas contrações acontecem a cada três minutos e há dilatação do colo do útero de quatro centímetros é sinal de que o bebê está prestes a nascer.
Quando o colo do útero estiver totalmente dilatado, ou seja, com dez centímetros de abertura, e as contrações se tornarem muito doloridas, as paredes do útero farão pressão sobre o bebê e, em conjunto com o esforço da mãe, impulsionarão a criança para fora. O processo entre sentir as primeiras dores e chegar ao nascimento pode durar até 12 horas.
Na opinião do médico José Vicente Kosmiscas, ginecologista e obstetra do Hospital São Luiz, o corpo da mulher – salvo algumas exceções – foi feito para dar à luz de maneira natural.
“No parto normal, a mulher está assumindo para si a responsabilidade de ter um filho. É algo que não sabemos a hora que vai acontecer, se vai ser num momento conveniente ou não. Na cesárea é justamente o contrário. A gestante deita na maca, recebe a anestesia e quem faz o parto é o médico. Tudo é programado. Marcamos horário e a família está preparada, esperando com bexigas e presentes”, opina Kosmiscas.
Além disso, existe uma vertente do parto normal que vem ganhando cada vez mais adeptos: o parto humanizado. Introduzido na década de 1970 no país, esse procedimento quebrou os paradigmas da medicina burocrática. Nesse tipo de parto, de maneira geral, são respeitados os desejos da mulher.
Cláudio Basbaum, introdutor do parto Leboyer (nascimento sem violência) no Brasil, explica que nesse tipo de procedimento cabe ao médico garantir o pré-natal, oferecer apoio, mostrar todas as opções que a parturiente tem com base no histórico do pré-natal e do desenvolvimento fetal e, por fim, fazer o acompanhamento do parto, interferindo apenas se houver mesmo necessidade.
Segundo o especialista, o parto é feito no ambiente hospitalar, mas em meio a pouca luz e silêncio e conta com a participação do pai em todo o processo. Após o nascimento, é feito uma massagem nas costas do bebê, que não é dependurado pelos pés nem recebe a famosa palmada “para abrir os pulmões”.
“O parto foi transformado num ato extremamente médico, uma cirurgia que pode causar enorme sofrimento para a mãe e o bebê. O processo de nascimento é um dos mais importantes da vida da mulher. Ela tem que se sentir amada, segura, ao lado de seu companheiro ou alguém de confiança. Muitas crianças vão nascer com ou sem médico. O quanto menos ele interferir, melhor”, opina Basbaum.
Ele conta ainda que, antigamente, antes de a gestante ser posta na posição deitada para dar à luz, o parto acontecia com ela na posição vertical. Essa mudança ocorreu para que o médico pudesse ter mais controle da situação. Entretanto, segundo o especialista, a posição vertical é mais confortável e segura, tanto para a mãe quanto para o bebê.
“É importante informar às mães que no parto normal há um aumento das endorfinas para que a mulher consiga parir com menos dor. Ao mesmo tempo, ela entra num estado alterado de consciência, como se estivesse em transe. É o momento dela e não cabe a nenhum médico interferir. Isso é humanizar o parto. Esse processo é altamente positivo para a mãe e para o bebê, que se sente seguro e não nasce com dezenas de estudantes observando e luzes fortes no rosto”, esclarece o médico.
Violência Obstétrica
Por trás da escolha do parto, existe também uma questão obscura que faz parte da realidade de muitas brasileiras, independentemente se elas são atendidas em hospitais públicos ou privados. Pesquisa realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo revela que 25% das gestantes brasileiras não são atendidas satisfatoriamente antes, durante e depois da gravidez – dão à luz sem a presença de médico ou enfermeiros, passam por exames dolorosos, ouvem gritos e ameaças, entre outros tipos de agressões.
A dona de casa Isabella Castro Fagundes, 33 anos, optou em ter os filhos por parto normal. Pesquisou bastante e desde o início mostrou-se segura sobre a escolha.
Quando estava na 40a semana de gestação, recorda que acordou durante a noite sentindo fortes cólicas que não paravam e foi correndo para o hospital. A dor foi aumentando e quando entrou no quarto para dar à luz, já estava com cinco dedos de dilatação.
“Me deram um remédio para induzir o parto, o que achei totalmente estranho e desnecessário, porque eu não parava de dilatar. Além disso, a médica fez uma  episiotomia, um corte na região da vagina para facilitar a saída do neném. Mas não era preciso, pois a própria assistente falou que estava tudo bem. Enxergo isso como uma forma de violência, pois eles só queriam que as coisas acontecessem mais rápido”, relembra Isabella.
A ocitocina é um hormônio presente no corpo do homem e da mulher que tem como função promover as contrações uterinas. A mulher, no momento que está dando à luz, já libera o hormônio de maneira natural. Mas, em alguns casos em que o processo está muito demorado, pode ser injetado um hormônio sintético na veia da mulher, com o intuito de acelerar o processo.
Com o segundo filho, as contrações vieram de maneira mais leve. Isabella chegou ao hospital e logo a encaminharam para o quarto. A médica demorou a chegar e as dores aumentaram cada vez mais.
“Me deram novamente um remédio para induzir o parto e eu só conseguia ficar numa posição. A médica não era a mesma da minha primeira gravidez e não tinha uma equipe, então chegou o anestesista da maternidade junto com estudantes de medicina. Eu estava com uma dor muito forte e tentando me controlar. O que me irritou é que a assistente ficava toda hora olhando para o relógio. Então comecei a contar de um a 10 para esquecer um pouco a dor. Mas chegou uma hora que eu comecei a contar muito rápido na esperança que aquilo acabasse logo. Então, nesse momento o médico que chegou para dar assistência na anestesia deu uma risada do meu jeito de contar. Eu virei para ele e falei: ‘Para de rir, doutor’. Todo mundo ficou calado. Ele nem se levantou da poltrona para ver se menina estava fazendo certo a peridural (anestesia)”, relata.
O fato de a sala ter se transformado numa aula prática para estudantes de medicina e o médico ainda rir do modo que a parturiente contava pode ser encarado como violência obstétrica.
“A mulher tem que dar à luz num ambiente calmo, não numa feira, onde os médicos falam de futebol, novela, sem nenhum respeito. Ou então com a enfermeira gritando: ‘Menina, vamos fazer força. Vamos abrir essas pernas”, indigna-se Cláudio Basbaum.
Entretanto, a obstetra Paula Tambellini, faz uma ressalva diante dessa questão, pois nem tudo deve ser encarado como violência. Alguns procedimentos apontados como “invasivos” são determinantes em certas situações, na opinião dela.
“Entrou na moda falar disso agora. Colocam, por exemplo, o toque vaginal como forma de violência.  Se você não faz o toque, como vai saber se o colo do útero está dilatando? Já a episiotomia serve para facilitar a saída do bebê. E é mais comum fazer esse procedimento do que se imagina. Um bebê de três quilos pode causar uma laceração no períneo da mulher. Então é  mais lógico suturar o que cortamos e restabelecermos a função dessa musculatura do que suturarmos algo que lacerou, aumentando o risco de a mulher ter  incontinência urinária no futuro.”
“Se for ter outro filho, com certeza gostaria de ter uma doula que me oriente durante as contrações e que possa me ensinar posições para que eu fique mais relaxada”, completa Isabella.
Doulas são profissionais que dão assistência emocional e física às gestantes antes, durante e após o parto. Elas não executam nenhum tipo de procedimento médico, somente apoiam as parturientes.
Casas de Parto
Ter um parto natural e humanizado não é exclusividade de mulheres com boa situação financeira, embora esse tipo de procedimento em clínicas privadas de São Paulo possa custar mais de R$ 10 mil, dependendo do especialista consultado.
Localizada na zona leste de São Paulo, a Casa de Parto Sapopemba realiza cerca de 20 partos mensalmente de maneira humanizada, mas tem capacidade para fazer até 60 procedimentos por mês. No país, há cerca de 14 instituições do gênero e todas fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo a gestora da unidade, Kátia Guimarães, a unidade atende gestantes que são acompanhadas no pré-natal realizado pelo SUS, convênio ou particular.
“A Casa é procurada por gestantes de todos os níveis socioeconômicos e procuramos dar um atendimento humanizado. Nossa única exigência é que a gestação seja de baixo risco, ou seja, que seja uma gestação única, com apresentação cefálica, exames de pré-natal com resultados normais, que a gestante não tenha antecedente de parto cesárea, não tenha doenças prévias ou gestacionais como diabetes e hipertensão”, explica.
Ainda de acordo com a gestora, a partir da 37semana de gestação são oferecidas consultas semanais com a enfermeira obstetra, paralelas ao pré-natal, em que são realizados exames para avaliação do bem-estar materno e fetal e também são dadas orientações sobre os sinais de trabalho de parto.
“Aqui nós respeitamos o desejo e as vontades da mulher. Durante o trabalho de parto a paciente fica livre para caminhar, se alimentar, ouvir música relaxante e receber massagem. A posição no momento do parto será a que a parturiente escolher e se sentir mais confortável. O parto pode ser na banheira, de cócoras, na cama. Ela fica livre para decidir o que vai ser melhor”, explica ela.
Apesar dos benefícios do local, todos os médicos consultados para esta reportagem foram contra as Casas de Parto, já que, na opinião deles, o local não possui estrutura adequada em caso de emergências. Mas a gestora discorda dos argumentos dos especialistas.
“Somente as gestantes que não apresentam riscos são atendidas na Casa de Parto. Ainda assim temos uma equipe composta por enfermeiras obstétricas e auxiliares de enfermagem e todas as gestantes que apresentarem alterações durante a condução do trabalho de parto serão transferidas imediatamente de ambulância (que permanece na unidade 24 horas) para o hospital de referência”, esclarece Kátia.
Por Drauzio Varella

Morre aos 70 anos o narrador Luciano do Valle

O narrador esportivo Luciano do Valle, de 70 anos, morreu na tarde deste sábado (19). Ele passou mal durante uma viagem de avião para Uberlândia (MG), onde narraria Atlético-MG e Corinthians pela primeira rodada do Brasileirão, e chegou a ser levado a um hospital, mas não resistiu. As causas da morte ainda são desconhecidas.

Segundo a TV Bandeirantes, emissora onde trabalhava, o narrador foi atendido por um médico ainda no avião e sofreu uma morte súbita. “As hipóteses vão de interdição de aorta, a um infarto, e isso só será definido após necropsia. Ele não sofreu e teve o atendimento que precisava”, disse o médico ao site da emissora.

Luciano do Valle completou, em 2013, 50 anos de carreira. Ele era o principal narrador esportivo da TV Bandeirantes, onde teve duas passagens, de 1983 a 2003 e depois de 2006 até os dias de hoje. Ele iniciou a carreira na Rádio Brasil, de Campinas, e seguiu para a Rádio Gazeta, de São Paulo. Além da TV Bandeirantes, o narrador passou por SBT, TV Globo e Record.

Além de narrador de futebol, Luciano do Valle foi divulgador dos esportes olímpicos. Narrou boxe e lançou Adilson Rodrigues “Maguila”. Também foi ícone da geração de prata do vôlei masculino na década de 80. No basquete, deu apelido das jogadoras de basquete feminino Magic Paula e Rainha Hortência para a armadora Maria Paula Gonçalves da Silva e para a ala Hortência Maria de Fátima Marcari, respectivamente, quando o time feminino conquistou o Mundial em 1994.

Luciano também apresentou ao Brasil a Fórmula Indy, a liga norte-americana de basquete, a NBA (sigla em inglês), e a liga de futebol americano, a NFL (sigla em inglês). Segundo a Bandeirantes, Luciano não pensava em aposentadoria. Em 2012, chegou a se afastar das suas funções devido a um problema de saúde, mas se dizia entusiasmado com os próximos eventos esportivos do Brasil.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

OS DIREITOS DE DIRCEU E O CARÁTER DO BRASILEIRO

PML: “depois que a acusação de quadrilha caiu ele é chefe de que mesmo ?”


Numa injustiça clamorosa que vai além de qualquer opinião sobre as ideias de José Dirceu, seus direitos como prisioneiro não são respeitados

Há momentos em que a vida política deixa de ser um conflito de ideias e projetos para se transformar numa prova de caráter.

Isso é o que acontece com a perseguição a José Dirceu na prisão.

A defesa dos direitos de Dirceu é, hoje, uma linha que define o limite da nossa decência, ajuda a mostrar aonde se encontra a democracia e o abuso, a tolerância diante do ataque aos direitos elementares de uma pessoa.

Ninguém  precisa estar convencido de que Dirceu é inocente sobre as denuncias da AP 470. Nem precisa concordar com qualquer uma de suas ideias políticas para reconhecer que ele enfrenta uma situação  inaceitável.

As questões de caráter envolvem nossos princípios e nossa formação. Definem a  capacidade de homens e mulheres para reagir diante de uma injustiça de acordo com princípios e valores aprendidos em casa, na escola, ao longo da vida,  como explica  Hanna Arendt  em Origens do Totalitarismo. São essas pessoas que, muitas vezes, ajudam a democracia a enfrentar as tentações de uma ditadura.

Um desses homens, e nós vamos saber seu nome dentro de alguns parágrafos, “não era herói e certamente não era um mártir. Era apenas aquele tipo de cidadão com interesse normal pelos negócios públicos que, na hora do perigo ( mas não um minuto antes) se ergue para defender o país da mesma forma como cumpre seus deveres diários, sem discutir.”

A mais recente iniciativa contra os direitos de Dirceu criou um situação nova.

O Ministério Público pede uma investigação telefônica-monstro envolvendo todas as ligações de celular – de 6 operadoras — entre a região do presídio da Papuda, em Brasília, onde ele se encontra prisioneiro desde 16 de novembro, e uma região em torno de Salvador, na Bahia. São milhares, quem sabe milhões de ligações que devem ser mapeadas, uma a uma, e transcritas – em formato de texto – para exame do ministério público em Brasília.

Você sabe qual é o motivo alegado dessa investigação: procurar rastros de uma conversa de celular entre Dirceu e um secretário do governo de Jaques Wagner. Detalhe: supõe-se que o telefonema, caso tenha sido feito, teria ocorrido em 6 de janeiro. Pede-se uma investigação de todas as conversas por um período de 16 dias.

Você sabe qual será seu efeito prático: manter a pressão sobre Dirceu e impedir que ele possa deixar o presídio para trabalhar durante o dia – direito que tem todas as condições legais de cumprir. Não só obteve uma oferta de emprego, como tem parecer Psicossocial favorável e também do Ministério Púbico.

Você pode “achar” – assim como “achamos” tantas coisas a respeito de tantas pessoas, não é mesmo? – que ele cometeu, mesmo, essa falta disciplinar, de natureza grave.

O fato é que desde 6 de janeiro procura-se uma prova desse diálogo  e nada. O secretário de Estado deu uma  entrevista a Folha de S. Paulo, dizendo que havia conversado com Dirceu. Mais tarde, ele se corrigiu e  desmentiu o diálogo. Também confirmou o desmentido  em depoimento oficial. Dirceu sempre negou ter mantido qualquer conversa nestas ocndições.

A conta telefônica do celular do Secretário de Estado não registra nenhuma ligação que, em tese, poderia confirmar a conversa. Uma investigação da policia do Distrito Federal também concluiu que não há o mais leve indício de que o diálogo tenha ocorrido.

Conforme todos os indícios disponíveis, portanto, quem mentiu foi  o  Secretário – não Dirceu.

Você pode continuar duvidando da inocência de Dirceu, claro. Mas não pode aceitar que seus direitos sejam subtraídos sem que sua culpa seja demonstrada. Mesmo na prisão, uma pessoa é inocente até que se prove o contrário. 

É verdade que, no julgamento da AP 470, o ministro Luiz Fux chegou a dizer que cabe ao acusado provar sua inocência. Mas foi uma colocação tão fora de qualquer princípio jurídico posterior ao iluminismo que, nos acórdãos, a declaração foi suprimida.

O pedido para esse grampo-monstro foi feito pelo Ministério Público  em 26 de fevereiro mas ficou engavetado pelo juiz Bruno Ribeiro por mais de um mês. Quando se retirou do caso, no fim de março, Bruno enviou o pedido  a Joaquim Barbosa, a quem caberá a palavra final sobre o semiaberto de Dirceu. Joaquim pode acolher o pedido.

Mas também pode manter Dirceu em regime fechado enquanto aguarda pelos grampos Papuda-Bahia. Seria uma nova injustiça, mesmo para quem é favorável a uma investigação nessa natureza e acha que toda punição a Dirceu será pouca.

A liberdade de Dirceu não pode ser diminuída  porque os responsáveis pela sua prisão levaram um tempo absurdo– mais de um mês – para decidir se acatavam a solicitação ou não.

Ninguém pode ficar preso indevidamente porque o Justiça está “pensando.”

Quando foi preso, em 15 de novembro, Dirceu tinha direito ao regime semiaberto, provisoriamente. Antes que os embargos infringentes tivessem sido julgados, havia a possiblidade de que o Supremo confirmasse a condenação por formação de quadrilha.

Mas o STF derrubou a condenação, o que confirmou o semiaberto.

Assim, do ponto de vista de seus direitos,  Dirceu perdeu perdeu quatro mees de liberdade.  

Se o apreço abstrato do caro leitor pela liberdade dos indivíduos não lhe permite avaliar o que isso significa, sugiro uma experiência concreta.

Peça a um amigo trancar a porta de seu quarto por um dia e faça um diário sobre o que fez e viu. Evite ligar a TV, porque ela só é autorizada a quem tem bom comportamento – e ninguém sabe se você merece isso.  Não leia jornais nem revistas. Limite a leitura aos livros mas apague a luz às 22 horas.  Desligue o telefone, não atenda a campainha e, se sentir fome, peça  um resto de geladeira para aquecer em banho-maria. Pode ser qualquer coisa que sobrou da véspera mas lembre-se de que, comparado com o que se oferece na Papuda, sempre será um privilégio.

E se você achar que é inocente, e não fez nada para merecer o que está acontecendo, só quis passar por uma experiência existencial, lembre-se: esse pensamento só é válido para quem acredita que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário. Esse é o princípio que garante nossa liberdade.

Também é o princípio que deveria definir a situação de Dirceu. Ele passou oito anos sendo acusado como chefe de quadrilha e era este ponto – a quadrilha – que poderia manter seu regime fechado.

Depois que a acusação de quadrilha caiu ele é chefe de que mesmo?

E aí podemos falar do personagem a que Hanna Arendt se refere. Ela está falando de George Picquard, major do Exército francês, que teve um papel decisivo no reestabelecimento da verdade no caso do capitão Alfred Dreyfus, condenado em 1894 à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, com bom base em provas falsas.

“Embora dotado de uma boa formação católica,” e, como Arendt sublinha para registrar os preconceitos da época, “  ‘adequada’ antipatia pelos judeus, ele ainda não havia adotado o princípio de que o fim justifica os meios. ” Ela recorda que “esse homem, completamente divorciado do classicismo social e da ambição profissional, espírito simples, calmo e politicamente desinteressado” iria mostrar que havia encontrado provas que apontavam para outro culpado, sugerindo que o caso fosse reaberto.

Picquard acabou processado e perseguido, a ponto de enfrentar uma condenação num tribunal militar e deixar um posto confortável em Paris por um posto sem perspectiva na África colonial. Mas cinco anos depois de condenado, Dreyfus acabou recebendo indulto presidencial, depois de enfrentar um segundo julgamento – que perdeu,  mais uma vez.

A campanha pela libertação de Dreyfus não passou pelo parlamento, que rejeitou seguidos pedidos de um novo exame do caso. Foi fruto de uma movimentação da sociedade civil, a margem dos principais partidos políticos.

Mesmo os socialistas temiam perder votos se colocassem o assunto nos debates eleitorais. Atribui-se uma derrota de um de seus líderes históricos, Jean-Jaurés, hoje nome de boulevard em Paris, ao empenho a favor de Dreyfus. Ninguém recorda o nome dos que se omitiram.

O alto comando militar, responsável pela condenação de Dreyfus e, mais tarde, pela manutenção da farsa, alimentava a imprensa suja de Paris.  Numa avaliação  que nos ajuda a entender que a realidade que hoje se vê nos trópicos brasileiros tem muito a dever às asneiras cometidas na capital francesa daquele tempo, Arendt  analisa o mais duro dos jornais contra Dreyfus  para dizer: “direta ou indiretamente, através de seus artigos e da intervenção pessoal de editores, mobilizou estudantes, monarquistas, anarquistas, aventureiros e simples bandidos, e atirou-os nas ruas.” Essa turba espancava defensores de Dreyfus na rua e por várias vezes apedrejou as janelas de Emile Zola depois de seus artigos e conferencias mais contundentes.

Julgado pelo Eu Acuso, Zola recebeu pena máxima. Foi um alivio, pois se fosse absolvido “nenhum de nós sairia vivo do julgamento” recordou Georges Clemenceau, dono do jornal que publicou o artigo, L ‘Aurore.

Em 1975, em São Paulo, o rabino Henry Sobel  deu uma demonstração de caráter semelhante. Ele sequer era o rabino principal da comunidade paulistana. Apenas substituía o rabino principal, que se encontrava em viagem. Norte-americano de nascimento, Sobel admirava John Kennedy e nunca teve simpatias pelo Partido Comunista.

Mas, quando foi informado que o  corpo do jornalista Vladimir Herzog apresentava sinais de tortura, como fora percebido pelos funcionários do cemitério judeu que o preparavam para o enterro, Sobel tomou uma decisão de acordo com sua formação e suas convicções.

Impediu que Herzog fosse enterrado na área do cemitério reservada aos suicidas, como seria coerente com a versão oficial para a morte do jornalista – acompanhada até por uma fotografia forjada na cadeia – para lhe dar a dignidade de um enterro comum. O resto é história, feita por um cidadão tão humano, tão comum, que mais tarde seria apanhado num pequeno e desagradável incidente num shopping em Miami, como todos nós sabemos
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Por Paulo Moreira Leite