domingo, 11 de julho de 2010

Dono da Encol conta em livro como FHC e os tucanos quebraram sua empresa



Fundador da empresa revela pedidos de doações para ex-presidente e coação que sofreu de José Roberto Arruda

A falência é a forma mais violenta de ruptura econômica dentro de uma empresa privada. Gera dívidas trabalhistas, desesperança por conta do desemprego, insegurança dos credores e alimenta a incerteza social. Enfim, é quase o caos. Depois da quebra, apenas a liquidação dos bens e o desaparecimento causam maior sofrimento no empreendedor.

“Encol – O sequestro: Tudo o que você não sabia (Editora Bremen)”, livro assinado pelo ex-empresário goiano Pedro Paulo de Souza, é a última versão para o cataclismo que arruinou a famosa sociedade empresária – considerada a maior construtora da América Latina. Em meio ao discurso econômico, sobra uma lição especulativa: pela ótica do autor, o apoio ao tucano Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 1994 só trouxe problemas para a empresa. A Encol executou doações para a campanha de FHC, sofreu com altas taxas de juros provocados pelo Plano Real e caiu nas mãos do Banco do Brasil, que não teria feito nenhum esforço para trazer a empresa de volta do inferno financeiro.

Na obra, o empresário revela bastidores ainda apenas citados nas peças jurídicas: diz que a falência nasce dentro de um ato de corrupção do Banco do Brasil (BB) e conta como o financiamento do BNDES foi supostamente desviado pelo diretor de crédito do BB. Poderia ter aberto um capítulo para contar como o setor das construtoras se locupletam das licitações, se envolvendo em denúncias de irregularidades nas concorrências. Mas o tema poderia causar indigestão no segmento que pertencia. Por isso as relações com os tucanos já estão de bom tamanho para mostrar que nem sempre doação de campanha transforma-se em apoio financeiro. O caso Encol está aqui para provar esta tese.

A empresa passou pelo tormentoso processo de quebra em um período que a Lei de Falências era ainda um decreto-lei carrancudo do Estado Novo. Tornou-se, de longe, a mais dramática falência desde a instituição do Código Comercial, ainda em 1850. No Direito empresarial brasileiro não existe causa com maior complexidade, volume de processos e vítimas. Daí a importância do livro, pois traz versões sustentadas por um dos envolvidos, tido publicamente como o responsável pelo desastre da empresa.

A Encol levantou milhares de prédios no Brasil, teve cerca de 40 mil clientes e gerou postos de trabalho para 23 mil pessoas. Em 1999, o empresário conversou com a reportagem do DM e garantiu que a verdadeira história viria à tona assim que escrevesse seu livro. Demorou, mas causou o impacto desejado. “O Sequestro” narra o surgimento da Encol em Goiânia, trata de seus trunfos e segue até momentos posteriores à quebra. O prefácio da obra é um texto escrito pelo jornalista Batista Custódio, que, em 1997, realizou uma defesa literária do ex-empresário. A obra traz diversos documentos da escrivania de Pedro Paulo de Souza, mas a polêmica de sua versão está na palavra “sequestro”.

O ex-empresário goiano cita um suposto plano para tomar a empresa de suas mãos, cuja estratégia teria nascido dentro do Banco do Brasil. “Ao fazer uma análise dos fatos, comparando-os com relatos, depoimentos e documentos que reuni ao longo dos anos, tive a convicção de que existiu um plano arquitetado por Edson Soares Ferreira (executivo do Banco do Brasil), envolvendo Jorge Washington de Queiroz e Antônio Alberto Mazali (N.R: administradores do patrimônio da empresa) para sequestrar a Encol.”

Conforme o antigo proprietário da construtora, a falta de liquidez da empresa jamais justificou a ação de falência. “Considerando o seu patrimônio líquido, a Encol era uma empresa sólida. Foi classificada, na pesquisa da revista Exame Maiores e Melhores em 1995 (balanço de dezembro de 1994), entre as 25 Maiores Empresas Privadas por Patrimônio Líquido, ocupando o 17º lugar, com cifra de 1, 225 milhões de dólares. E sua carteira de recebíveis dava à construtora um índice de liquidez considerável, ou seja, para cada um real da dívida, tinha 3,62 reais a receber.

Ainda havia os bens imobilizados, hotéis, fazendas, shoppings, avaliados em mais de 300 milhões de reais”, descreve Pedro Paulo de Souza.
Um dos argumentos mais favoráveis para esta defesa refere-se à busca frenética da massa falida por credores desaparecidos. Em reportagem publicada no jornal Valor, uma manchete aumenta amplia a incógnita: “Encol diz ter R$ 200 milhões em caixa, mas não encontra credores.” Conforme Pedro Paulo, a questão é saber como uma empresa com tamanho volume de recursos teria falido no final da década de 1990. A reportagem do Valor também faz esta pergunta.

Contribuição sigilosa para campanha

No quinto capítulo do livro, Pedro Paulo narra como José Roberto Arruda, então senador, em 1999, teria pressionado para que não falasse sobre a relação da construtora com Fernando Henrique Cardoso. O empresário participava de uma audiência da CPI da Encol e resolveu não comentar nada no dia. “Dr. Pedro Paulo, o Presidente Fernando Henrique mandou avisá-lo para que o senhor não mencione a doação feita à campanha em julho de 1994”, teria dito Arruda, no corredor do Senado. “Ao ouvir aquilo, me senti constrangido. No estado em que me encontrava, sendo coagido daquela forma, percebi que algo estava errado”, narra Pedro Paulo. No livro, ele afirma que o pedido inicial de Fernando Henrique, então candidato amedrontado com o crescimento de Lula, era de R$ 200 mil, mas não ficaria apenas nisso.
O ex-presidente da Encol lança na próxima quarta-feira (14), às 20h30, no Castro Hotel, “Encol – O sequestro: Tudo o que você não sabia (Editora Bremen)”. E aguarda desde já a reação dos citados na obra, que, queiram ou não, estão envolvidos em uma das maiores quebras da América Latina.

Trecho do livro

Pedro Paulo de Souza narra encontro que teve com o então candidato Fernando Henrique Cardoso durante a campanha presidencial de 1994

“E no dia 23 de julho de 1994, nos encontramos no discreto bar do Hotel Bonaparte, em Brasília, e fomos servidos ali mesmo pelo restaurante italiano “La Vecchia Cucina”, que funcionava no andar superior.
Eu estava acompanhado por Gilberto Machado. Acompanhando o Fernando Henrique estava seu assessor de campanha Fernando Lemos, que se apresentou como amigo e colaborador. Assim que nos sentamos, o candidato começou a conversa fazendo o seguinte comentário:
– Senhor Pedro Paulo, se eu for para o segundo turno, tenho certeza de que vencerei as eleições. A ajuda que a Encol prestou a nossa campanha representa muito para nós. Diante daquele comentário, disse-lhe:
– Dr. Fernando Henrique, na minha opinião, o senhor irá vencê-la no primeiro turno. Entusiasmado com minha resposta, logo ele quis saber o porquê daquela afirmação. Então lhe expliquei:
– A euforia que os brasileiros estão vivendo com a derrubada da inflação é a principal razão. O Plano Real está sendo conduzido de maneira séria, mudando a economia de forma gradual. Diferente da era Collor, com o confisco de poupanças. (…) Em seguida Fernando Henrique, demonstrando incerteza quanto ao resultado da eleição, completou:
– O Lula está crescendo muito. Eu preciso ir para o segundo turno. Apesar do Itamar… Na hora pensei que Fernando Henrique se referia a algum tipo de intriga entre ele e o Itamar que eu não havia acompanhado pelo noticiário. Sem querer dar prosseguimento àquela discussão sobre política, desviei o rumo da conversa. O fato é que naquele momento, eu não percebi o que estava por trás de toda aquela deferência. O encontro em um local discreto e reservado e por último o comentário inacabado “apesar do Itamar” foram sinais do candidato de que outros pedidos poderiam vir a acontecer. A ajuda da Encol não se resumia apenas àqueles 200 mil reais.

Em síntese, enquanto Dilma Rousseff criou o programa Minha Casa Minha Vida para ajudar os brasileiros a conquistar o sonho da casa própria, os tucanos ajudaram a quebrar a principal construtora do país na época.

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