quinta-feira, 29 de julho de 2010

Guerra do Afeganistão: um enigma e quatro hipóteses


A Guerra do Afeganistão se transformou numa incógnita para os analistas políticos e militares. Hoje está claro que os Talibãs não participaram dos atentados de 11 de setembro, nos EUA, e eles estão cada vez mais distantes da Al-Qaeda e das redes terroristas cuja liderança e sustentação estão sobretudo, na Somália, no Yemen, e no Paquistão.

A superioridade numérica e tecnológica das forças americanas, e da OTAN, com relação aos guerrilheiros talibãs do Afeganistão, é abismal. No entanto, a situação estratégica dos EUA e dos seus aliados, depois de nove anos de guerra, vem piorando a cada dia que passa. Em apenas um mês, o presidente Obama foi obrigado a demitir, por insubordinação, o famoso Gal. Stanley McChystal, que ele havia nomeado, e que era o símbolo da “nova” estratégia de guerra do seu governo. E agora enfrenta um dos mais graves casos de vazamento de informação da história militar americana, com detalhes sanguinários das tropas americanas, e acusações de que o Paquistão - seu principal aliado – é quem prepara e sustenta os guerrilheiros talibãs.

Depois do envio de mais 30 mil soldados americanos, em 2010, a situação militar dos aliados não melhorou; os ataques talibãs são cada vez mais numerosos e ousados; e o numero de mortos é cada vez maior. Por outro lado, o apoio da opinião publica americana e mundial é cada vez menor, e alguns dos principais aliados dos EUA, como a Holanda e o Canadá, já anunciaram a retirada de suas tropas, e a própria Grã Bretanha, vem sinalizando na mesma direção. Faz algum tempo, o general americano, Dan McNeil, antigo comandante aliado, declarou à revista alemã Der Spiegel, que seriam necessários 400 mil soldados para ganhar a guerra, e talvez por isto, quase ninguém mais acredite na possibilidade de uma vitória definitiva.

Por outro lado, o governo do presidente Hamid Karzai está cada vez mais fraco e corrompido pelo dinheiro da droga e da ajuda americana, a sociedade afegã está dividida entre seus “senhores da guerra”, e o atual estado afegão só se sustenta com a presença das tropas estrangeiras. E por fim, a luta no Afeganistão, contra as redes terroristas e contra o al-Qaeda de Bin Laden também vai mal, e está sendo travada no lugar errado. Hoje está claro que os Talibãs não participaram dos atentados de 11 de setembro, nos EUA, e eles estão cada vez mais distantes da Al-Qaeda e das redes terroristas cuja liderança e sustentação estão sobretudo, na Somália, no Yemen, e no Paquistão. E quase todos os estrategistas consideram que seria mais eficaz a retirada das tropas e o rastreamento e controle à distância das redes terroristas que ainda existam no território talibã.

Resumindo: a possibilidade de vitória militar é infinitesimal; os talibãs não defendem ataques terroristas contra os EUA e não dispõem de armas de destruição de massa; e não existem interesses econômicos estratégicos no território afegão. Por isso, a Guerra do Afeganistão se transformou numa incógnita para os analistas políticos e militares.

Do nosso ponto de vista, entretanto, a explicação da guerra e qualquer prospecção sobre o seu futuro requerem uma teoria e uma análise geopolítica de longo prazo, sobre a dinâmica das grandes potências que lideram ou comandam o sistema mundial, desde sua origem na Europa, nos séculos XV e XVI. Em síntese:

i) Nesse sistema mundial “europeu”, nunca houve nem haverá “paz perpétua”, porque se trata de um sistema que precisa da preparação para guerra e das próprias guerras para se ordenar e expandir;

ii) Nesse sistema, suas “grandes potências” sempre estiveram envolvidas numa espécie de guerra permanente. E no caso da Inglaterra e dos EUA, eles começaram – em média - uma nova guerra a cada três anos, desde o início da sua expansão mundial;

iii) Além disso, este mesmo sistema sempre teve um “foco bélico”, uma espécie de “buraco negro”, que se desloca no espaço e no tempo e que exerce uma força destrutiva e gravitacional sobre todo o sistema, mantendo-o junto e hierarquizado. Depois da Segunda Guerra Mundial, este centro gravitacional saiu da própria Europa e se deslocou na direção dos ponteiros do relógio: para o nordeste e sudeste asiático, com as Guerras da Coréia e do Vietnã, entre 1951 e 1975; e depois, para a Ásia Central, com as Guerras entre o Irã e o Iraque, e contra a invasão soviética do Afeganistão, durante a década de 80; com a Guerra do Golfo, no início dos anos 90; e com as Guerras do Iraque e do Afeganistão, nesta primeira década do século XXI.

iv) Deste ponto de vista, se pode prever que a Guerra do Afeganistão deverá continuar, mesmo sem perspectiva de vitória, e que os EUA só se retirarão do território afegão, quando o “epicentro bélico” do sistema mundial puder ser deslocado, provavelmente, na mesma direção dos ponteiros do relógio.

Artigo de José Luís Fiori

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