quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Barbosa desrespeitou Gilmar Mendes

No momento em que determinou a execução de prisões de 12 condenados no mensalão durante feriado da Proclamação da República, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, desrespeitou uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), expedida em 2010, que regulamenta o trâmite para o início do cumprimento das penas de prisão. Além do STF, Barbosa também preside o CNJ.

Essa resolução (113/2010) foi expedida pelo então presidente do CNJ, Gilmar Mendes. A ideia desse documento não somente era organizar a execução de prisões em todo o Brasil, mas também evitar que o preso ficasse por um tempo indeterminado cumprindo um regime ao qual ele não foi condenado. Na ocasião, a resolução foi considerada um avanço pela magistratura.
Com 26 artigos, esse documento determina que o processo de execução da sentença deve ter, além da carta de sentença, outras 12 peças jurídicas entre as quais “qualificação completa do réu”, “interrogatório do executado na polícia e em juízo”, “cópias da denúncia”, “cópias da sentença, votos e acórdãos (íntegra do julgamento) e respectivos termos de publicação”.
A execução das prisões dos 11 réus do mensalão - um está foragido - ocorreu apenas com o mandado de prisão expedido pelo STF, mas sem as cartas de sentença com o detalhamento do tempo de prisão de cada condenado. As cartas de sentenças somente foram encaminhadas ao juiz de Execução Penal do Distrito Federal, Ademar de Vasconcelos, no final de semana. Os documentos chegaram ao juiz somente na tarde do último domingo.
De forma oficial, entre a tarde de sexta-feira e a de segunda-feira, os réus do mensalão ficaram sob custódia da Justiça Federal e só passaram a executar as suas penas mais de 48 horas depois depois da detenção, quando as cartas de sentença foram expedidas. Os advogados dos réus já questionaram essas prisões durante essa semana nas petições impetradas no STF requerendo transferência de domicílio, progressão de regime, entre outros benefícios.
Até a manhã de segunda-feira, os advogados dos réus não tiveram acesso às cartas de sentenças. Até ministros do Supremo tinham dúvidas sobre a execução de algumas penas dos condenados.
Nesta terça-feira, o ministro Marco Aurélio Mello questionou a forma como as prisões foram executadas e os motivos pelos quais os presos foram deslocados para Brasília. Mello afirmou que “tem que haver a carta de sentença necessariamente” antes da execução das penas. “O cumprimento se dá onde o réu, o reeducando, e tomara que todos saiam reeducados, onde o reeducando tem raízes, tem domicilio”, explicou Mello.
“Eu teria aguardado para chegar-se à prisão, a confecção, que ocorreu na segunda-feira, das cartas de sentença. Enquanto não se tem a carta de sentença expedida, a prisão ressoa como provisória. E não foi em momento algum decretada a preventiva. Agora, claro, cada cabeça é uma sentença”, disse o ministro nesta terça-feira.
Outros dois ministros foram questionados sobre a execução de sentenças do mensalão. Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso evitaram falar sobre isso.
Nesta terça-feira, uma comissão de juristas divulgou um manifesto criticando as prisões. Entre os juristas que assinaram o documento, estão profissionais como Dalmo Dallari e Celso Bandeira de Mello. Ele afirmaram no documento que “a imprecisão e a fragilidade jurídica dos mandados expedidos em pleno feriado da República, sem definição do regime prisional a que cada réu teria direito, não condizem com a envergadura da Suprema Corte brasileira”.

Por Wilson Lima - iG Brasília 

sábado, 16 de novembro de 2013

Fuga de Pizzolato atrapalha os planos políticos de Joaquim Barbosa

A fuga do ex-diretor do Banco do Brasil (BB) Henrique Pizzolato para a Itália, conforme adiantou nesta sexta-feira o Correio do Brasil, joga um balde de água fria nas pretensões políticas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. Pizzolato busca o direito a um novo julgamento, conforme previsto no tratado de extradição assinado entre os dois países, “afastado de motivações político-eleitorais, com nítido caráter de exceção”, como afirmou em nota pública divulgada, também em primeira mão, na edição online do CdB.
A intenção de Barbosa, de concorrer a um cargo público no ano que vem, segundo o blogueiro Rodrigo Vianna, ficou evidente “na decisão do STF, de antecipar a prisão dos condenados no ‘mensalão’ nesse 15 de novembro. A maior parte dos juristas concorda que o normal seria esperar o ‘trânsito em julgado’; ou seja, só depois dos embargos infringentes (que devem ser julgados no fim do primeiro semestre de 2014) é que as prisões deveriam ser executadas”.
E pergunta: “Por que a pressa? Por que mais esse atropelo? Já não bastava o fato de lideranças do PT terem sido condenadas sem prova, como afirmou Ives Gandra Martins (que não tem nada de petista) sobre a condenação de Dirceu? Há quem diga que o governo Dilma teria se empenhado na aceleração do processo: interessaria a ela ‘liquidar’ agora esse assunto, para não criar ‘embaraços’ durante o período eleitoral. Não descarto essa possibilidade (ainda mais num PT e num governo absolutamente dominados pelo pragmatismo). Mas há outras hipóteses”.
“Por que Barbosa suspendeu a sessão de quinta (14/11), em que o colegiado do STF avaliaria a decisão do dia anterior? Ora, porque era preciso que Barbosa faturasse sozinho as prisões. Executadas em 2014, as prisões poderiam gerar algum alvoroço eleitoral – sim. Mas talvez surgissem tarde demais, do ponto de vista de uma oposição que precisa de um terceiro candidato para levar o pleito presidencial ao segundo turno. Está claro, claríssimo, que Joaquim Barbosa (e seus aliados midiáticos) contam com essa hipótese. Juizes têm a prerrogativa de se filiar a partido político até seis meses antes da eleição (abril/maio de 2014, portanto)”, lembra o blogueiro.
Este plano, porém, fica prejudicado se, em Roma, a Suprema Corte de Justiça italiana aceitar o pedido de Pizzolato por um novo julgamento. Uma instância jurídica distante do caldo de cultura midiático que gerou uma das peças jurídicas mais contestadas do STF poderá, sem pressão política, avaliar os argumentos de Pizzolato.
“Até desmembraram em inquéritos paralelos, sigilososo, para encobrir documentos, laudos e perícias que comprovam minha inocência, o que impediu minha defesa de atuar na plenitude das garantias constitucionais. E o cúmulo foi utilizarem contra mim um testemunho inidôneo”, afirma o ex-diretor do BB, que reuniu uma série de provas quanto à sua inocência.
Caso um tribunal italiano considere Pizzolato inocente, “terá aí início uma das disputas jurídicas mais relevantes na história do Direito brasileiro, com grande chance de o ministro Barbosa protagonizar um episódio digno de nota negativa para a posteridade”, conclui um jurista, ouvido pela reportagem do Correio do Brasil, na manhã deste sábado, que prefere guardar o anonimato.

Pescado do Correio do Brasil

Lições chilenas

O grande fato político no continente sul-americano neste final de ano é a eleição presidencial no Chile. Vários fatores tornam o próximo domingo de suma importância no desdobramento da geopolítica sul-americana, embora a grande imprensa brasileira não esteja fazendo cobertura digna do acontecimento, fato que evidentemente não chega a nos surpreender.

O primeiro e óbvio ponto consiste na provável vitória em primeiro turno da socialista e ex-presidenta Michele Bachellet que está concorrendo pela coalizão denominada de “Nova Maioria”, substituta da tradicional “Concertação”, pela qual havia sido eleita em 2005 e que governou o Chile da redemocratização até 2010. A principal diferença vis à vis o modelo da “Concertación” consiste  na inclusão do Partido Comunista (PC) no conjunto de agremiações a fazerem parte da aliança.


 Um segundo ponto relevante: com a vitória de Bachellet, a esquerda recompõe o mapa ideológico dos governos na América do Sul, parcialmente desfeito com o predomínio da direita no Chile desde 2010. A se confirmar o resultado, teremos de novo um quadro no qual apenas Colômbia continuará tendo como governante presidente oriundo do campo conservador. Além disso, voltaremos a assistir uma distribuição de gênero mais equilibrada na chefia dos executivos dos países sul-americanos. Assim, uma mulher, de tradição esquerdista, adepta de uma visão integracionista do continente, muito provavelmente voltará a governar aquela importante nação.


Um terceiro ponto de evidente relevância diz respeito à baixa popularidade do atual presidente Sebástian Pinera, da Renovação Nacional (RN), uma das agremiações a compor a coalizão de direita conhecida por “A Aliança”, a outra sendo a União Democrática Independente (UDI). Pinera, em 2009, derrota o candidato democrata-cristão Eduardo Frey e interrompe ciclo de 20 anos de governo de centro-esquerda da “Concertação”. Interessante observar que a economia chilena cresce durante todo o atual ciclo presidencial a taxas em torno de 5% do PIB (tendendo a um ligeiro declínio neste último ano de mandato), porém, sua aprovação, isto é, a taxa dos que consideram o governo ótimo ou bom, não ultrapassa a marca dos 27%. Isto prova que crescimento econômico, embora em geral associado a bom desempenho eleitoral de governos incumbentes, não é condição suficiente para uma vitória eleitoral.


Chegamos ao quarto ponto entre os vários que tornam a conjuntura chilena particularmente importante. Bachellet, ela própria, quando teve seu candidato derrotado em 2009 pela direita representada por Pinera, gozava de algo em torno de 80% de popularidade, isto por conta da eficiência no trato dos efeitos da crise financeira internacional irrompida um ano antes. Dois fatores foram decisivos para o fracasso da “Concertacion”: a divisão interna da coalizão, motivada pela indicação do ex-presidente Eduardo Frey, do Partido Democrata Cristão (PDC), como seu candidato, e a dificuldade em aprovar e levar à frente políticas sociais, há muito reivindicado por amplos segmentos da sociedade, em particular, a questão educacional. Agora, com a direita no governo, o quadro praticamente se inverte – a direita se encontra dividida e as políticas sociais sequer constaram das preocupações governamentais. Ou seja, mais uma vez o bom desempenho na economia não garantiu a lealdade dos eleitores nas urnas.


Um quinto ponto decorre diretamente da questão discutida acima. O Chile, a despeito de anos de crescimento econômico, não tem sido capaz de enfrentar seus principais e seculares desafios: o da erradicação da pobreza e diminuição da desigualdade. Em outras palavras, a agenda dos eleitores chilenos é uma agenda social. Um sistema educacional básico e universitário mais inclusivo, menos discriminação étnica, de gênero e de orientação sexual, além de maior participação do setor público nos sistemas de saúde e de pensões são os principais itens do debate político chileno e a candidatura da Bachellet se propõe justamente a atacar tais pontos. Neste sentido, tal candidatura assume perfil nítida e agressivamente esquerdista, nem por isso se tornando menos competitiva ou afastando do seu entorno parceiros tradicionais mais ao centro do espectro, como o PDC e o PPD (Partido Pela Democracia). 


A agenda é basicamente social no Chile porque sua Constituição, ao contrário da brasileira, é obra da ditadura do general Pinochet. Vários e poderosos pontos de veto foram criados tendo em vista dificultar e inviabilizar reformas de inspiração socialista. Embora o socialista Ricardo Lagos, durante o período presidencial de 2001 a 2005, tenha desfeito algumas das mais importantes aberrações, no âmbito social pouco se avançou naquela direção. Os movimentos e agitações sociais de 2011, violentas e traumáticas em diversas ocasiões, tiveram na origem exatamente este tipo de insatisfação e frustração. O sexto e crucial ponto que a conjuntura chilena nos traz incide exatamente sobre a questão dos protestos.


Várias jovens lideranças das jornadas de outubro passaram a fazer política partidária, filiando-se ao Partido Comunista, concorrendo em eleições locais e agora se articulando com os socialistas, tendo em vista redefinir a hegemonia do processo político chileno. Bachellet, ela mesma, afirma que o propósito da reconfiguração da coalizão é a de compor uma nova maioria política e societal no país, maioria capaz de superar os pontos de vento existentes no sistema político e aprovar medidas de inclusão no campo social.

Talvez seja essa, a de procurar uma equilibrada composição dos elementos representativos e participativos da democracia, a principal lição chilena na conjuntura atual. 


Por Fabiano Santos no Carta Maior

(*) Professor e Pesquisador - IESP/UERJ