É importante indicar ao eleitor que um eventual governo Serra representará um mergulho nas trevas, com direito a TFPs, Opus Dei, Carismáticos e outras denominações legislando o nascimento de um poder assentado em bases teocráticas. Sobre isso deveria refletir uma parcela da classe média.
Gilson Caroni Filho
Quando entrou nos estúdios da Rede Bandeirantes para o segundo confronto com Dilma Rousseff, Serra parecia confiante. Afinal, pesquisas recentes indicavam que sua candidatura registrava uma curva ascendente. Amparado pelo confortável clima de terror criado por demotucanos, com auxílio inestimável do oportunismo de grupos religiosos partidários da teologia da prosperidade, "IN NOMINE DEI”, o massacre da adversária era tratado como favas contadas. Mas, como costuma acontecer na luta política, o açodamento voraz aumenta a voltagem de fracassos inesperados.
A adversária se mostrava surpreendentemente bem mais preparada do que no encontro anterior, disparando alguns petardos para os quais o PSDB - e a mídia corporativa que lhe apóia - não encontraria proteção adequada nem mesmo no dia seguinte. Do assessor que fugiu com R$ 4 milhões da campanha a uma possível privatização do pré-sal em um caso de vitória tucana, Serra manteve a fisionomia tensa, perdendo-se nas respostas, sem conseguir esboçar contra-ataques com os detalhes que a televisão exige. O desempenho do personagem preocupou assessores e a base social que lhe dá sustentação.
Quando perguntado sobre fatos provados, respondia com evasivas. Nem mesmo a mulher, Mônica Serra, foi capaz de defender. Foge como o diabo da cruz quando são feitas comparações entre os governos FHC e Lula. Quem tirou 14 milhões da miséria, levou 32 milhões para a classe média, criando 13 milhões de empregos? Que governo fez o Brasil crescer como nunca, libertando o país dos ditames do FMI? Quem proporcionou acesso de um enorme contingente popular às universidades, mudando a fisionomia e as expectativas educacionais de uma formação social marcada pela exclusão? Sob o manto das redações que o protegem, Serra é poupado de contraditórios incômodos. Quando exposto ao confronto, sobram o sorriso nervoso e as mãos trêmulas no ar.
Ficou claro, no debate de ontem, que Serra promete coisas sem base e silencia sobre como vai cumpri-las. Chegou o momento de mostrar, às claras, quem é o ex-governador que paga os piores salários do Brasil para os professores e policiais de São Paulo, recusando qualquer possibilidade de diálogo com representantes das duas categorias. Serra envereda pela ficção quando diz que criou os genéricos e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). E mente quando diz que tirou do papel o Seguro-Desemprego.
Nos próximos encontros, Dilma deve mostrar ao país o perigo de ter religiosos fundamentalistas dando palpite na administração pública. Precisa alertar que nas regiões metropolitanas, em comunidades carentes, além da crônica falta do Estado, os poderes conferidos a seitas e outros espertalhões, aliados a uma polícia medíocre e corrupta, acabam facilitando a vida de milicianos e traficantes. O que faz soar, no mínimo, ridícula a proposta tucana de criação de um Ministério da Segurança.
É importante indicar ao eleitor que um eventual governo Serra representará um mergulho nas trevas, com direito a TFPs, Opus Dei, Carismáticos e outras denominações legislando o nascimento de um poder assentado em bases teocráticas. Sobre isso deveria refletir uma parcela da classe média. Aquela mais apegada ao consumo que à cidadania, sócia despreocupada do rentismo e do poder nos tempos neoliberais.
Acostumada, desde a ditadura militar, à apropriação dos recursos que o mercado ou o Estado lhe ofereciam para a melhoria de seu poder aquisitivo e seu bem-estar material, ainda conserva vícios de origem, reagindo negativamente ao aumento da participação e da inclusão política de novos setores. Instalada em um desencanto abrangente, como estamento arraigado, abriga forças que não ameaçam apenas o processo democrático. O perigo vai bem além. Por tudo que vimos nessa campanha, a candidatura de Serra é incompatível com os valores mais caros à modernidade.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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