sábado, 2 de outubro de 2010

Reinaldo Azevedo(Veja) cansou da Marina

Se vocês prestarem bem atenção, Marina Silva, a candidata do PV à Presidência, com aquela sua voz de criança, seus xales telúricos e seu ar beato, é a candidata que mais bate nos adversários — em especial no tucano José Serra. E os jornais e sites noticiosos lhe dão ampla cobertura porque ela integra aquele grupo dos políticos inimputáveis. Como é a candidata supostamente sem mácula, então pode se comportar como uma espécie de ombudsman no processo político, dando pito em todo mundo. Tenha dó!

Ela participou ontem do debate da Globo. Foi, de longe, a sua pior atuação. A razão é simples: o fato de o encontro ter privilegiado um certo aporte técnico dos candidatos deu o seu real tamanho. Não verifiquei, mas creio que o vídeo do encontro já esteja disponível na rede. É impossível capturar substantivos concretos nas suas respostas. Marina tem uma vaga idéia muito convicta sobre tudo. Reescrevo: vaga idéia muito convicta. E ataca as respostas objetivas dos adversários, desqualificando-as como “coisa de gerentes”.

Aproveita a sua imagem positiva para investir no obscurantismo. Como boa parte do jornalismo vive sob o mito da falsa isenção — e ser isento é entendido como não se alinhar nem com Dilma nem com Serra —, então não se tem com ela a mesma severidade que se tem com os líderes das pesquisas, em especial com o tucano. Quem quiser saber do que falo dê uma olhadinha na Folha Online. Procure ali uma só notícia que seria ao menos “neutra” para Serra. Nada! É só pancadaria. E a mais agressiva é desferida justamente por Marina, segundo quem “Serra desconstruiu a própria imagem e vai perder perdendo”, seja lá o que isso signifique em “marinês”, essa língua que muita gente acredita entender.

Muito se fala aqui e ali do que seria a política pós-Lula, uma bobajada que pretende ignorar que os petistas não são um mero arranjo destrambelhado; eles têm método. Eles até podem me odiar. Mas me lêem porque sabem que os respeito como força organizada, como formuladores, independentemente do que ache deles — e acho as piores coisas, como é óbvio. Se não existe um pós-Lula, também não existe uma “pós-política”, única circunstância em que esse discurso místico-holístico-qualquer-nota de Marina poderia prosperar. E, caso ela chegasse lá, seria crise na certa. Não conseguiu levar adiante o Ministério do Meio Ambiente, conciliando-o com as necessidades do desenvolvimento do país. Por incrível que pareça, no embate entre o PT de Marina (ela continua petista) e o “PT dos outros”, o “dos outros” consegue ser um pouco mais civilizado.

Sei lá se ela ganhou ou perdeu votos ontem. O que sei é que ficou muito claro que ela e Plínio de Arruda são iguais — só a quantidade de votos os diferencia. Ele acha que não se pode falar nem em metrô sem dar calote na dívida interna; ela acha que qualquer proposta é “promessômetro” sem que se pense “uma economia para o século 21″. E muita gente faz de conta que sabe do que ela está falando. Aliás, ela própria finge saber.

Marina está brava porque, a quantos tenham algo entre as orelhas, a sua absoluta falta do que dizer ficou clara. Ela apostava na carnificina do confronto entre Dilma e Serra, hipótese em que poderia pontificar como a única vegetariana num jogo de lobos. Olharia, então, para o telespectador e diria: “Vejam como eles são; como brigam entre si; como são sanguinolentos. Eu não! Estou fazendo propostas”. Só que os outros dois decidiram não ser herbívoros, se é que vocês me entendem. E nem era mesmo hora de arriscar. No lugar de Serra, eu teria feito o que ele fez ontem. No lugar de Dilma, eu teria feito o que ela fez ontem. No lugar de Marina, eu teria pensado: “Ai, Espírito da Floresta! Estão me perguntando o que eu pretendo fazer no governo! Bando de gerentes! Vou desqualificar todo mundo”.

O ataque a Serra, na forma como ela decidiu fazer, seria burro se não fosse uma tática. Ora, se é preciso ter duas mulheres no segundo turno — e, nesse caso, o problema de Serra, então, estaria em ser homem, o que é boçal —, tal evento, na cabeça de Marina, só se realizaria se ela tirasse uma montanha de votos do tucano. Vamos fazer de conta que as pesquisas estão certas: sem a migração de eleitores da petista para os outros candidatos, não há segundo turno. Uma troca de preferências dentro da própria oposição é irrelevante para a candidata oficial.

Marina não quer mais segundo turno coisa nenhuma! Sua jogada agora é outra: tenta provocar uma forte migração de votos dele para ela, aproximando-se o máximo possível do tucano, o que faria dela uma “líder nacional” — restaria saber em torno de quais propósitos. Na hipótese de que haja a segunda rodada, ela já está minando o terreno , preparando a sua neutralidade, o que dá para fazer de duas maneiras: a) dizendo que cada um deve votar de acordo com a sua consciência e que nenhuma proposta a satisfaz; b) impondo como condição por seu apoio a adesão dos outros ao “seu” Código Florestal. Como nem Serra nem Dilma topariam — no que fariam muito bem porque não é prudente golpear a produção agrícola brasileira —, ela surge com seu xale telúrico, pontificando seus substantivos abstratos acima de toda coisa viva, preparando a campanha de 2014…

Cansei de Marina! Cansei dessa mistura de taliban ecológico com Curupira ideológico. Isso é pra seduzir colunista que, tentando declarar a sua neutralidade no jogo da política, finge torcer para a Portuguesa em São Paulo ou para o América, no Rio.

Por Reinaldo Azevedo

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