quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Pílula do dia seguinte
O início da vida sexual ocorre cada vez mais cedo, na maior parte das vezes, sem que os jovens se preocupem com nenhum procedimento contraceptivo. Consequentemente, não são raros os casos de meninas grávidas aos onze, doze anos de idade. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a única maneira de evitar tais incidentes é mantê-las informadas a respeito dos riscos a que estão expostas - entre eles, a transmissão de doenças graves como a AIDS, por exemplo, - e garantir-lhes o acesso aos métodos anticoncepcionais.
Entretanto, apesar do nível de informação sempre crescente a respeito dos riscos e implicações inerentes ao exercício da sexualidade, e dos meios disponíveis para evitá-los, muitas moças se descuidam e engravidam. As desculpas são muitas: acharam desnecessária a prevenção, porque consideravam remota a possibilidade de manter relações sexuais, haja vista que não tinham namorado havia muito tempo, ou porque as relações eram tão esporádicas que não justificavam o uso contínuo das pílulas anticoncepcionais, ou, ainda, porque o rapaz usava preservativo.
De repente, porém, as coisas escapam de seu controle e elas se dão conta de que o programa do dia anterior coincidiu exatamente com seu período fértil. Diante da possibilidade de uma gestação indesejada, muitas recorrem à pílula pós-coital, também conhecida como pílula do dia seguinte, ou do arrependimento, que deveria ser usada só em situações extremas e não como rotina para evitar a gravidez.
Drauzio – O que se entende por pílula do dia seguinte?
José Aldrighi – A pílula pós-coital, ou do dia seguinte, nada mais é do que a pílula anticoncepcional comum constituída por estrogênio e progestogênio. A única diferença está na dosagem um pouco maior (50 microgramas de estrogênio e 250 microgramas de progestogênio), quando indicada após uma relação sexual que represente risco de gravidez.
Então, a jovem que manteve relação num momento inoportuno, ou teve a infelicidade de o preservativo ter-se rompido, o que não é tão infrequente assim, ou, ainda, aquela que foi vítima de estupro podem valer-se dessa pílula para afastar o risco da gestação indesejada. Na verdade, a pílula do dia seguinte contribuiu para evitar algumas agressões ao organismo que as mulheres cometiam, quando suponham estar grávidas. Por exemplo, ao se darem conta do ocorrido, aquelas que tinham mantido relação sexual próxima do período ovulatório faziam as maiores acrobacias para adiantar a chegada da menstruação. Para tanto, recorriam a drogas abortivas com efeitos colaterais danosos para sua saúde ou introduziam instrumentos dentro do útero, que podiam provocar danos gravíssimos ao organismo.
Drauzio – Como deve ser administrada a pílula do dia seguinte?
José Aldrighi – Estupro, ruptura de preservativo ou coito num momento próximo da ovulação são casos que justificam a indicação da pílula do dia seguinte nas seguintes doses: tomar 2 comprimidos no período que vai desde o momento da relação sexual até 72 horas depois e mais 2 comprimidos doze horas mais tarde. São 4 comprimidos ao todo, portanto.
Assim, a mulher que se encontra numa dessas situações de risco deve procurar obrigatoriamente um médico antes de completar as 72 horas para que ele possa prescrever-lhe a pílula. Sua eficácia é quase de 100%, uma vez que cria condições para apressar a menstruação e, com isso, impede que a gravidez se instale.
Drauzio – Vamos admitir que a mocinha tenha tido uma relação no sábado à noite. Quais são as providências que deve tomar?
José Aldrighi – Se a relação ocorreu no sábado à noite e no domingo ela não conseguiu entrar em contato com o médico, na segunda-feira precisa procurá-lo para receber a orientação adequada. Ele vai prescrever-lhe quatro comprimidos de uma pílula anticoncepcional comum. O importante é que dois comprimidos sejam tomados o mais depressa possível e, passadas doze horas, mais dois. A grande maioria das pacientes responde a esse esquema com perda sanguínea num prazo de 7 a 10 dias.
Drauzio – As moças costumam recorrer com frequência ao uso da pílula do dia seguinte?
José Aldrighi – Há muitos anos venho chamando a atenção de que a pílula pós-coital, ou do dia seguinte só deve ser utilizada numa emergência, não como recurso anticoncepcional rotineiro. Eu sempre defendi sua indicação nos casos de estupro, como forma de impedir que o sofrimento de uma gravidez forçada viesse somar-se ao trauma e à violência impingidos à mulher nesses casos.
Quanto às meninas que mantêm relações sexuais com certa regularidade, essas devem procurar um médico para receber a orientação necessária sobre o uso da pílula ou de outro método contraceptivo adequado às condições de seu organismo e faixa etária.
Aliás, nesses casos, a Organização Mundial de Saúde recomenda a dupla proteção, isto é, a pílula anticoncepcional para elas e o preservativo para os meninos, a fim de protegê-las também contra a infecção pelo vírus HPV (papiloma vírus humano), por exemplo, que pode ser transmitido por via sexual e é responsável pelo aparecimento do câncer de colo de útero. Às vezes, as mulheres só descobrem tardiamente que são portadoras desse vírus, quando vão fazer o exame de Papanicolaou.
Drauzio – Esse tipo de orientação é oferecido pelo serviço público de saúde para as moças que não têm condição de consultar um médico particular?
José Aldrighi – Em São Paulo, a Santa Casa, o Hospital das Clínicas, o centro de saúde-escola da Faculdade de Saúde Pública da USP, a Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) oferecem esse tipo de orientação. São esses os serviços públicos especializados que as moças devem procurar em vez de ouvir os palpites de curiosos no assunto.
Drauzio – No interior, esse serviço também está disponível nos postos de saúde?
José Aldrighi – Em muitas das grandes cidades do interior, funcionam faculdades de medicina e hospitais-escola que podem prestar esse tipo de atendimento. Nas outras, a maioria possui postos de saúde competentes, responsáveis por informar e orientar as moças e pela prescrição dos medicamentos.
Drauzio – É um procedimento caro?
José Aldrighi – Não, não sai caro. Na verdade, sai o preço de uma cartela de pílulas anticoncepcionais de uso convencional, da qual são retirados apenas 4 comprimidos para tomar: dois antes de completar as primeiras 72 horas posteriores à relação sexual e, doze horas depois, mais dois.
Drauzio – A pílula do dia seguinte pode produzir efeitos colaterais desagradáveis?
José Aldrighi – Essa pergunta é muito procedente. A dosagem mais alta de hormônios da pílula anticoncepcional pode provocar um pouco de náuseas. Por isso, recomenda-se que os comprimidos sejam tomados depois de uma refeição mais reforçada. É interessante observar, também, que a intolerância gástrica diminui quando a medicação é ingerida com líquidos gelados.
Drauzio – Isso vale também para a pílula convencional?
José Aldrighi – Vale também para a pílula convencional, que deve ser tomada sempre no mesmo horário e após uma refeição. Se a moça tiver tendência a sentir enjôos, deve tomar a pílula com um copo de leite gelado. O leite tem efeito neutralizante e, se estiver gelado, impede que o esvaziamento gástrico seja retardado.
Drauzio – Você falou na relação sexual que ocorre no período mais fértil da mulher e que pode provocar gestação indesejada. O problema é que é praticamente impossível determinar com exatidão o período fértil da maioria das mulheres. Já ouvi casos de moças que engravidaram em dias de sangramento vaginal. Você deve conhecer casos de gravidez em qualquer fase do ciclo. Mesmo assim, em linhas gerais, qual é a fórmula para calcular o dia da ovulação?
José Aldrighi – Para poder determinar o dia da ovulação, a mulher precisa ter ciclo menstrual absolutamente regular. Por exemplo, as que possuem ciclos de 28 dias, ovulam no décimo quarto dia, porque a ovulação ocorre 14 dias antes da chegada da menstruação seguinte.
Drauzio – Bem na metade do ciclo...
Jose Aldrighi – Bem na metade. Vamos supor, então, um ciclo de 30 dias. Se a ovulação ocorrer no décimo quarto dia que antecede a menstruação, a mulher irá ovular no décimo sexto dia.
É importante ressaltar, porém, que o óvulo tem uma vida média de 24 horas e o espermatozóide, de 3 dias. Isso significa que, no ciclo de 28 dias, se a mocinha mantiver uma relação no décimo primeiro dia, um dos espermatozóides depositados na vagina vai conseguir fecundar o óvulo liberado no décimo quarto dia, o que possibilita a gravidez.
Drauzio – Os espermatozóides ficam lá esperando...
Jose Aldrighi – Ficam esperando nos canais de muco existentes no útero, e são bombeados para as tubas continuadamente. Se a menina com ciclo de 28 dias não quiser usar a dupla proteção, o que eu não aconselho, o período livre para as relações sem nenhum método contraceptivo vai do primeiro dia da menstruação até o nono dia, e não o décimo, pois o levantamento de histórias clínicas no consultório mostra que os espermatozóides chegam a sobreviver quatro, cinco dias. É por causa dessas variações que o método da “tabelinha” não é recomendado pelos médicos: falha muito.
Drauzio – Você disse que a menina que menstrua rigorosamente a cada 28 dias, deve ovular ao redor do décimo quarto dia, mas a recomendação é que, a partir do nono dia depois da menstruação, ela se abstenha de relações sexuais ou use métodos contraceptivos, porque há espermatozóides capazes de sobreviver por até cinco dias. Depois do décimo quarto dia, elas estão liberadas?
José Aldrighi – Não. Sempre aconselho que não mantenham relações por mais 3 a 5 dias depois da ovulação, como medida de segurança. Embora os 5 dias anteriores à ovulação sejam os de menor risco, é bom não esquecer que o óvulo sobrevive por 24 horas.
Por isso, minha recomendação às adolescentes é a abstinência sexual ou o uso de preservativos nessa fase. Infelizmente, temos observado que, embora o uso de preservativos tenha aumentado nos últimos anos, ainda está muito longe do que seria ideal. Em 1986, uma pesquisa na cidade de São Paulo apontou que 2,6% dos homens usavam preservativo, número que subiu para pouco mais de 6% nos anos subseqüentes.
Drauzio – Um número ridículo, sem dúvida.
José Aldrighi – Ridículo diante da gravidade de uma doença sexualmente transmissível como a AIDS. Uma tese defendida na UNICAMP aponta que 30% das mulheres e 50% dos homens soropositivos, isto é, já infectados pelo HIV, mantinham relações sexuais sem nenhum tipo de proteção.
Por isso, são fundamentais as campanhas públicas não só sobre a importância do uso do preservativo, como também sobre os métodos contraceptivos à disposição e o planejamento familiar.
Drauzio – O que diz sua experiência de quase 30 anos a respeito da tabelinha para evitar a gravidez?
Jose Aldrighi – Eu aprendi muito cedo a aceitar os métodos contraceptivos que as pessoas preferem, mas respeito muito também os que estudei e cuja eficácia acompanhei durante anos e anos.
Todo mundo pensa que a pílula não falha. Falha, sim, entre 0,2% e 0,4% dos casos, mesmo que a mulher a tenha tomado direitinho. Isso quer dizer que, em cada mil mulheres, de duas a quatro engravidam, apesar da pílula. O mesmo acontece com a laqueadura: 0,1% das mulheres que passam pelo procedimento de amarrar e cortar as trompas engravida. Portanto, não existem métodos totalmente eficazes. Minha experiência mostrou, porém, que o índice de falhas da tabelinha é maior, está por volta de 25% a 30%.
Tenho observado também nesses quase 30 anos de profissão que muitos jovens ainda se valem do chamado método primitivo – o coito interrompido – para evitar a gravidez. Ao contrário do que se diz por aí, ele está longe de representar um procedimento tranqüilo e seguro. Além de a freqüência de falhas ser enorme, não oferece gratificação satisfatória para as moças e pode provocar distúrbios de ereção nos rapazes.
Drauzio – Alguns casais utilizam o coito interrompido com preservativo. Antes da ejaculação, o homem interrompe a relação e coloca o preservativo. Essa seria uma solução contraceptiva para as pessoas que não estão infectadas por vírus ou bactérias que causam doenças sexualmente transmissíveis?
Jose Aldrighi – Vejo nessa técnica dois problemas. Primeiro, o homem precisa ser um indivíduo muito equilibrado para num momento específico do exercício da sexualidade, interromper a relação para colocar o preservativo. Depois, porque não é pequeno o número de gestações que ocorre sem penetração. Ou seja, mesmo nas relações realizadas fora da vagina, o líquido prostático que o homem elimina contém espermatozóides capazes de fecundar o óvulo em 10% a 15% dos casos.
Drauzio – Esse é um ponto que eu gostaria que você ressaltasse para esclarecer os adolescentes que estão iniciando a vida sexual.
José Aldrighi – Atendi vários casos de adolescentes que engravidaram sem penetração e, o mais surpreendente, até com as meninas usando calcinhas. Isso é uma prova de que os espermatozóides existentes no líquido seminal podem ultrapassar barreiras e chegar ao óvulo para fecundá-lo.
É preciso que os adolescentes tenham consciência e responsabilidade nessa hora e não se deixem levar pela busca inconseqüente do prazer. Mesmo quando não há penetração, é fundamental fazer uso do preservativo.
Drauzio – Qual é a orientação que você deixa para as garotas que estão prestes a iniciar a vida sexual?
Jose Aldrighi – Atualmente, a orientação é que as jovens procurem um ginecologista antes de iniciar a atividade sexual. Entre outras coisas, elas precisam ser informadas a respeito da importância da dupla proteção, isto é, do uso da camisinha associado a outro método contraceptivo, escolhido de acordo com suas características orgânicas e o seu modo de ser. Muitas hesitam em procurar o ginecologista que atende sua mãe. Esse temor não tem fundamento, uma vez que a função do médico é ser seu amigo, ouvir suas dúvidas, mostrar-lhes as opções de anticoncepcionais à disposição. De forma alguma, ele poderá trair a confiança nele depositada.
José Mendes Aldrighi é médico, professor de Ginecologia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e chefe do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Em co-autoria com André Arpad Falud e Antônio Pádua Mansur, escreveu o livro “Doença Cardiovascular no Climatério” (Editora Atheneu).
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário